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Imagem de Pixabay |
Quando pequena, nunca fui uma garotinha normal. Sabe, quando se é bruxa, parece que você não é desse mundo, que não é humano e, por mais que tente ser como as outras pessoas e fazer coisas "normais" como elas fazem, a verdade é que você só sente mais esquisita. Pelo menos comigo foi assim. Por mais que eu tentasse me enturmar, percebia que era mais imaginativa e criativa que as outras crianças. Isso admirava algumas poucas e irritava muitas outras. Chegou ao ponto que eu preferi a companhia de crianças mais introvertidas. Pois, ao lado delas, eu podia fingir que as esquisitas eram elas, não eu.
Conforme fui crescendo, percebi que minha família também não era "normal". Para começar, aprendi com minha avó que a noite era bela e mágica demais para desperdiçá-la dormindo - como as outras pessoas faziam - e que eu não deveria dormir antes da meia-noite porque seria quase como um sacrilégio.
Quando cheguei à adolescência, pensei que minha avó era apenas uma velha lunática e solitária que inventava histórias porque sofria com insônia e não queria ficar acordada sozinha. No entanto, depois que passei a adorar deusas como Hécate e Dana, entendi a que a minha avó se referia. Não há nada mais belo e mágico que meditar na escuridão de meu jardim sob à luz do luar. Antes, eu morreria de medo de ficar sozinha e no escuro, lá fora. Mas, hoje, aprendi que o ser humano só teme aquilo que não compreende ou desconhece.
Quando eu era pequena, minha avó costumava realizar "sessões" onde lia o futuro através das cartas, fazia e desmanchava trabalhos e, às vezes, se deixava possuir por espíritos a fim de realizar pactos e obter revelações. Meu irmão e eu éramos proibidos de participar ou presenciar essas "sessões". Então, espiávamos pela janela, fascinados.
As luzes do cômodo eram apagadas e velas vermelhas ou pretas acesas. Às vezes, algum defumador ou charuto era aceso e aquilo começava.
Após um tempo, minha avó começou a se sentir perturbada. Segundo ela, os espíritos não queriam ir embora e aquilo se tornou incômodo. Ela precisou realizar um ritual de banimento e ficar de molho por um tempo. Ela passou por uma fase negra e se tornou uma pessoa mais detestável e insuportável que o normal. Não quero dar detalhes, mas ela nos deixou e se mudou para outra cidade. Foi aí no auge de meus oito anos que compreendi que mexer com demônios não era algo bom e que destruía as pessoas. Desde então, eu temi qualquer espírito que fosse angelical.
Eu gostaria de dizer que minha avó aprendeu a lição e deixou a magia negra de lado, mas isso não aconteceu. Ano após ano, ela se tornou mais forte e perigosa. O seu segredo, eu mataria para descobrir, mas nunca me revelará e sua magia, com ela morrerá.
Eu percebi que ouvia vozes - que ninguém mais ouvia - ainda pequena, quando ouvia alguém que parecia distante, gritar:
- Daniele!
Eu sempre respondia:
- O quê? - ou - Já vou!
E minha avó e minha mãe juravam que não haviam me chamado. Até aí, tudo poderia ser apenas um estranho mal entendido, mas não demorou muito e eu logo passei a ouvir vozes quando estava sozinha em casa. Minha mãe recomendou que eu não respondesse mais àquelas vozes e que elas eram algo ruim. Eu fiz o possível para ignorar. E, logo foi o meu irmão quem passou a ouvi-las. O mesmo foi recomendado a ele, ignorar porque aquilo era ruim. E anos depois foi a vez de minha prima ouvi-las. Se não me engano, era sempre quando eu estava por perto, e era estranho demais e os adultos apenas nos mandavam ignorar e diziam também que era a morte nos chamando e responder faria ela nos encontrar. Ah, os adultos! Sempre querendo calar as crianças através do medo... Até que deu certo... Por um tempo! A voz retornou e com mais intensidade quando, numa tarde, eu estava conversando com uma colega do colégio em frente ao salão paroquial que ficava em frente ao nosso colégio e próximo ao convento, ouvi uma voz na minha cabeça - não era meu pensamento -. Parecia mais com uma leve possessão ou uma segunda consciência se fortalecendo em mim. Me deixava confusa e quanto mais eu tentava negá-la mais forte ela ficava. Às vezes, me dizia coisas boas e inteligentes e outras, me dizia coisas ruins.
"Por que não sobe a escada e se atira lá de cima:"
Dizia a voz e eu respondia:
"Mas vou me machucar ou morrer".
"Não vai, não. Se os garotos conseguem, você também consegue". - Ela me encorajava.
O salão paroquial tinha uma escadaria do lado de fora - que levava até uma sacada. No topo da escadaria havia o que vou chamar de "rampa". Os garotos mais velhos (os atletas) costumavam saltar lá de cima e cair em pé como gatos. Da sacada, no entanto, ninguém jamais se atreveu a saltar.
Eu costumava me sentar nos degraus da escada enquanto era tentada por aquela voz. Uma vez, acabei comentando com minha avó a respeito e ela disse que era um espírito ruim que queria que eu me matasse.
Foi difícil, mas eu me afastei do salão paroquial e parei de ouvir as vozes.
Demorei a entender que ouvir vozes era um dom e que era assim que os espíritos se comunicavam comigo. Eu tive de aprender a diferenciar os bons dos maus conselhos e compreender que não ouvia sempre os mesmos espíritos. Por exemplo, quando eu tinha por volta dos nove anos, ouvi sem querer minha mãe revelar um segredo que me revoltou. Eu estava prestes a confrontá-la por isso, quando uma voz sábia e amorosa me explicou porque minha mãe fez aquilo e porque escondeu a verdade de mim. Eu tenho certeza que era meu anjo da guarda porque eu era muito nova para entender a complexidade de um assunto tão delicado quanto aquele e aquela voz me deu a calma e a compreensão que eu tanto necessitava.
Ainda ouça a voz de meu guardião celeste, mas em raras ocasiões. Diferente dos outros espíritos, os anjos pouco intervém nas decisões humanas.
Quando contatei as ninfas - eu já devia ter uns dezesseis anos, mais ou menos -, aprendo a "sentir" a energia e, dessa forma, perceber se havia ou não algum espírito por perto e se este era ou não do bem. Como aprendiz de feiticeira, eu encontrei dificuldades na hora de manipular esse poder. Na magia ou você domina um dom ou ele te domina. Eu quase fui dominada pelo meu dom, mas depois de muita dificuldade, hoje, estou aprendendo a deixá-lo em "off". Quando se deixa um dom em off, não necessariamente o desliga. É mais ou menos como fechar os olhos ou tampar os ouvidos. E mesmo com os olhos fechados, às vezes, é possível perceber quando a luminosidade do ambiente aumenta ou diminuí... Da mesma forma, mesmo com nosso dom em Off, vez ou outra, alguma coisa sempre escapa através do veú.
Foi através das ninfas que minha clariaudiência (o poder de ouvir vozes) se intensificou significativamente. Como não havia treinado ainda a Visualização não conseguia ver os espíritos materializados, por isso, a única forma de eles entrarem em contato comigo era através de sons (palmas, estalos, assobios, etc) ou de palavras.
Elas chamavam a minha atenção através de sons vocais como "psiu", e também chamando o meu nome.
Certa vez, minha mãe saiu para ir ao trabalho - como todas as manhãs -, eu fechei o portão e voltei para a cama. Mal me deitei e ouvi minha mãe gritar por mim. Me levantei apressada, pensando que ela havia esquecido alguma coisa, mas, quando abri o portão, ela não estava lá. As ruas estavam desertas... Achei aquilo muito estranho.
Depois, as vozes se modificaram e eu ouvia uma voz sedutora me chamando.
- Dani?
- Vem cá, Dani!
Isso quando não ouvia risos....
À esquerda de minha casa, mora um casal de idosos e à direita tem uma casinha que vive fechada (o dono dela só aparece uma vez ao mês para ver se está tudo ok, podar as plantas e etc), por isso, não poderia ser nenhum vizinho me zoando. Tampouco seria minha imaginação, pois minha avó já ouviu "psiu" várias vezes quando esteve no jardim. Eu não tinha ideia do que era aquilo! Tamanha minha estupidez, eu havia feito um ritual para contatar as ninfas quando não fazia a menor ideia de que como elas eram ou que estavam tão próximas a mim. Mas, quando li em um livro sobre elementais da terra que havia ninfas que viviam em árvores, eu fiquei espantada. Foi como quando o Celbit estava jogando Amor Doce, entrou no grêmio, viu aquelas sombras na janela e disse:
- Meu deus! Estou vigiado!
Eu só sabia que tinha espíritos nas plantas do jardim e ao mesmo tempo que ficava aliviada - porque acreditava que elas não poderiam se mover além das plantas, uma vez que eram as almas delas -, ficava receosa de sair para fora, especialmente a noite. E certos filmes de terror com bacantes não ajudavam muito...
Só depois de MUITO tempo é que perdi o medo delas e, hoje, até durmo no jardim, se deixarem.
No entanto, VER espíritos é mais assustador que senti-los ou ouvi-los. Normalmente, a gente pensa que só se assusta com visões de monstros, fantasmas ou demônios, mas não é bem assim. A gente se surpreende quando vê algo inesperado.
Ver vultos pelos cantos dos olhos, todo mundo vê e não há nada de anormal nisso. Aliás, a Ciência explica que qualquer coisa que vemos por esse ângulo é interpretada de forma inequívoca pelo nosso cérebro.
As coisas que vi não foram meros vultos. Apareceram bem na minha frente e duraram tempo o suficiente para que eu não duvidasse da autenticidade do fenômeno. Sabe quando você vê alguma coisa sólida e real se movendo no escuro... Algo como uma pessoa? Mesmo que não a enxergue perfeitamente - como enxergamos na luz -, você sabe que ela está lá e pode ver sua forma, certo? Foi assim comigo. No momento, não que pensei que fosse algo sobrenatural, porque, mesmo que eu não ousasse tocar naquilo, aquilo me parecia bem real. Foi assustador!
Não sei se algum dia vou me acostumar a ver espíritos; Me acostumei a sentir a presença deles - embora, ainda me estresse muito - e a ouvi-los, mas vê-los ainda me deixa muito um pouco assustada. Tenho esperanças de que isso mude, já que adoraria ver as ninfas materializadas bem em minha frente. Seria legal ver e ao mesmo tempo falar com elas. ©